17.6.08




ana luísa amaral - silogismos



A minha filha perguntou-me
o que era para a vida inteira
e eu disse-lhe que era para sempre.

Naturalmente, menti,
mas também os conceitos de infinito
são diferentes: é que ela perguntou depois
o que era para sempre
e eu não podia falar-lhe em universos
paralelos, em conjunções e disjunções
de espaço e tempo,
nem sequer em morte.

A vida inteira é até morrer,
mas eu sabia ser inevitável a questão
seguinte: o que é morrer?

Por isso respondi que para sempre
era assim largo, abri muito os braços,
distraí-a com o jogo que ficara a meio.

(No fim do jogo todo,
disse-me que amanhã
queria estar comigo para a vida inteira)



15.6.08

8.6.08




ana luísa amaral - ritmos


e descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém

de vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!

as irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfose em
refogados rítmicos

(debaixo do fogão só o silêncio frio)



7.6.08




joaquim manuel magalhães - as escadas não têm degraus


(...)

a última claridade do dia mistura-se
à primeira da noite.
este vento na auto-estrada onde rebenta a chuva
não me vai forçar o coração; nem estas sebes
ladeadas de cimento suspenderão o voo
do que sou até ao que não és. mas será
a carícia que no cinto treme, o calor do pescoço
descoberto, os vimes da cadeira donde te levantas
quando estou quase para me sentar.

(...)

a vida acumulou-se em roldanas ao redor de tudo,
um fumo que sobe durante a noite sobre os mapas
enrolados na parede despida, há tanto nos esquecemos
de os desdobrar, de por eles chegar aos confins
do nosso mundo. e já estamos a desaparecer.



5.6.08




joao miguel fernandes jorge - como conversámos aquela noite.



era o quarto de azulejo.
o cheiro do tabaco.
o cão
os olhos para que visse o de fora.
cego
conhecendo a terra sem se conhecer.
em nós
fizemos sair a lua o sol.
em todos
o visível o invisível.

éramos nós e estávamos no fim do mundo.

como conversámos aquela noite.
era o quarto de azulejo
a mesa de braseira o cheiro do tabaco.
andara sem destino durante meses
e, aquela noite surgia com o simples virar a
página de um livro,
quando uma palavra torna claro o enredo de longos capítulos.
assim duas vidas se revelam.

éramos nós.
estávamos no fim do mundo, quero dizer,
encontrei-me de súbito na minha vida,
na sua vida.


1.6.08




fiama hassa pais brandão - a porta branca


por detrás desta porta,
uma de todas as portas
que para mim se abrem e se fecham,
estou eu ou o universo que eu penso.

deste meu lado, dois olhos que vigiam
os fenómenos naturais,
incluindo a celeste mecânica
e as sociedades humanas, sedentárias e transumantes.

mas podem os olhos fazer a sua enumeração,
e pode o pensado universo infindamente ir-se,
que para mim o que hoje importa
é aquela olhada vaga porta.

que ela seja só como a vejo, a porta branca,
com duas almofadas em recorte,
lançada devagar sobre o vão do jardim,
onde o gato, por uma fenda aberta
pela sua pata, tenta ver-me,
tão alheio a versos e a universos.







chevalier de pas - aos 8 anos

à minha querida mamã


oh terras de Portugal
oh terras onde eu nasci
por muito que goste delas
ainda gosto mais de ti