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6.7.08




ana luísa amaral - fingimento poético


"finge tão completamente"



Faz-me falta a tristeza
para o verso:
falta feroz de amante,
ausência provocando dor maior.

Tristeza genuína, original,
a rebentar entranhas e navios
sem mar.
Tristeza redundando em mais

tristeza, desaguando em métrica
de cor.
Recorro-me a jornal, mas é
em vão. A livros russos (largos

e sombrios).
Em provocado rio de depressão,
nem zepellin: balão
a ervas rente.

Um arrastão sonhando-se
navio.
Só se for o que diz o que
deveras sente.

A sério: o Zepellin.
Mas coração:
combóio cuja corda
se partiu.


17.6.08




ana luísa amaral - silogismos



A minha filha perguntou-me
o que era para a vida inteira
e eu disse-lhe que era para sempre.

Naturalmente, menti,
mas também os conceitos de infinito
são diferentes: é que ela perguntou depois
o que era para sempre
e eu não podia falar-lhe em universos
paralelos, em conjunções e disjunções
de espaço e tempo,
nem sequer em morte.

A vida inteira é até morrer,
mas eu sabia ser inevitável a questão
seguinte: o que é morrer?

Por isso respondi que para sempre
era assim largo, abri muito os braços,
distraí-a com o jogo que ficara a meio.

(No fim do jogo todo,
disse-me que amanhã
queria estar comigo para a vida inteira)



8.6.08




ana luísa amaral - ritmos


e descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém

de vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!

as irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfose em
refogados rítmicos

(debaixo do fogão só o silêncio frio)