30.9.07



Faz-me o favor...

Faz-me o favor
de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.


Tu és melhor -- muito melhor!
Do que tu. Não digas nada.
Sê Alma do corpo nu
Que do espelho se vê



29.9.07



até poderias. partilhar outra pessoa
até poderias. amar outra pessoa
até poderias.
até.

mas nunca mentir.


24.9.07


pas-de-trois - maurette brandt

de um e dois
somos três.
entrevejo o outro
espécie de nuvem
e nada posso.
fecho os olhos
e não passa.
empurro com força os portões
e os ferros me cortam.
ensaio mal o personagem
e maltrato as minhas falas.
fica pior na hora da dança;
os passos marcados
fazem barulho demais,
deixam marcas demais.
esgota-me
o roteiro; suo de medo,
incandesço de paixão,
desatino.
mas sou parte do enredo.
e estou pronta
para ousar
roubar essa cena.


21.9.07


atiro-te a corda.
segura-te.
à vida. que teima em tremer
no teu corpo. ainda frágil.
dizes que não.
agora dorme.
descansa.
finalmente.
aceitas o meu beijo.
o meu abraço.

e eu durmo. finalmente.

16.9.07


protege-me
com o teu abraço
nao me deixes perder a vida
agora que a (re)encontrei



14.9.07


Sophia de Mello Breyner Andresen - 1919-2004

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


13.9.07

Francis Bacon - 1561 - 1626

It is a high speech of Seneca (after the manner of the Stoics), that “The good things which belong to prosperity are to be wished, but the good things that belong to adversity are to be admired.”

Of Adversity


11.9.07

A dor - Eduardo Prado Coelho - 1944 - 2007

nada de mais estranho ao pensamento. sofre-se e isso impede de pensar. pensa-se a dor e já não é dor. (...) entre a emoção e o pensamento há uma espécie de incompatibilidade. entre a dor e o pensamento, a incompatibilidade é extrema.



2.9.07

Duplo - Maurette Brandt

O duplo em ti
me fascina: os contornos
inebriantes
duma segunda natureza
frouxa e farta à flor da pele
muito bem dobrada,
quase casta,
feminina.

Não se adivinha no corpo
mas eriça os pêlos,
fugidia e clara,
entremeando-se
no código dos olhos, no brilho,
no riso dos músculos:
e arrebata-me
pelas frestas, enquanto
escorre e se esconde
no agudo traço
masculino.

E então dançamos, as máscaras
flutuantes,
os dedos entrelaçados
como num pacto
de pequenos silêncios
amorosos
e condescendentes.