22.11.08




herberto helder - fonte - I


ela é a fonte.
eu posso saber que é a grande fonte
em que todos pensaram. quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte.
era um manar
secreto e pacífico.
uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.

ninguém falava dela, porque
era imensa. mas todos a sabiam
como a teta. como o odre.
algo sorria dentro de nós.

minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente.
meu pai lia.
sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
era a fonte.

eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
a lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.

hoje o sexo desenhou-se. o pensamento
perdeu-se e renasceu.
hoje sei permanentemente que ela é a fonte.