24.11.07
21.11.07
josé gomes ferreira - 1900-1985
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhas, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer:
Fulano de tal comunica a V. Exa.
que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas.
Traje de passeio.
E então, solenemente, com passos de reter tempo,
fatos escuros, olhos de lua de cerimónia,
viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio. Adeus! Adeus!
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)
a carne, em vez de apodrecer,
começaria a transfigurar-se em fumo...
tão leve... tão sutil... tão polen... como aquela nuvem além (vêem) -
nesta tarde de outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...
15.11.07
hoje fui um anjo
inocente e puro
os meus olhos brilharam
olhando o mar
hoje as lágrimas
foram de alegria.
a segurança deu lugar
ao meu medo constante
hoje. a voz dela. de novo.
lindas historias
finais felizes
promessas de ouro
hoje. lá longe
um anjo disse
que a minha verdadeira história
estava prestes a começar
hoje.
(trad. daqui)
14.11.07
mafalda veiga
vai caminhando desamarrado
dos nós e laços que o mundo faz
vai abraçando desenleado
de outros abraços que a vida dá
vai-te encontrando na água e no lume
na terra quente até perder
o medo, o medo levanta muros
e ergue bandeiras pra nos deter
não percas tempo,
o tempo corre
só quando dói é devagar
e dá-te ao vento
como um veleiro
solto no mais alto mar
liberta o grito que trazes dentro
e a coragem e o amor
mesmo que seja só um momento
mesmo que traga alguma dor
só isso faz brilhar o lume
que hás-de levar até ao fim
e esse lume já ninguém pode
nunca apagar dentro de ti
não percas tempo
o tempo corre
só quando dói é devagar
e dá-te ao vento
como um veleiro
solto no mais alto mar
5.11.07
1.11.07
Oração de Cabura (Início de um novo ciclo)
Para nós, das tribos, as Montanhas são sagradas, porque nelas habitam os Deuses, as ninfas protegem as nascentes dos rios e os genii guardam os bosques, os povoados. As Montanhas guardam-nos.
As Montanhas também nos escondem dos inimigos: dão-nos a caça, os frutos, o longo alcance das terras. Sobretudo, soltam-nos o espírito.
Nas Montanhas, estamos mais perto do divino e o divino entra em nós. A Montanha é vida, está viva. É o sustento, protecção natural. E o Outro Mundo habita connosco.
Que o recomeço do novo ciclo seja completo, nos traga a graça dos Deuses e os nossos antepassados sejam testemunha da nossa boa vontade: que sejam cumpridos todos os rituais, para que os Deuses nos protejam e aceitem como oferenda a nossa alma.
Que Endovellico encaminhe para a luz aqueles que nos deixaram e Ataégina, Mãe natureza, Mãe criadora, zele pela sua criação.
Com o primeiro vinho, com as primeiras castanhas, que os Deuses aceitem as nossas oferendas, em sinal de respeito.
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