24.2.08



carlos queirós (1907-1949)


ouvir a tua voz, outrora, era o bastante
para sentir, enfim, justificada, a vida;
e supor que podia, a partir desse instante,
abrir, impunemente, ao mundo, confiante,
minh'alma enternecida.

fitar o teu olhar, era um deslumbramento.
que me transfigurava e me fazia crer
que depois de viver, na terra, esse momento,
-- sereno, como após o extremo sacramento --,
já podia morrer.

premia as tuas mãos nas minhas e dizia,
com profunda emoção: -- É só por ti que existo!
-- como foi isto, amor? Do nosso olhar, um dia,
caiu neve no fogo em que a minh'alma ardia...
amor, como foi isto?!

passas por mim, agora, e nada me insinua
ser a tua presença o derradeiro elo
que me prendia à vida. -- E a vida continua!
e tudo, como outrora, (o sol, o mar, a lua...)
mesmo sem ti, é belo!

como havemos de ter, nos outros, confiança?
que humano sentimento a nossa fé merece?
de que servem, na vida, os ideais e a esperança,
se o próprio Amor, -- como os brinquedos, em criança --,
tão cedo, para nós, perde o encanto e esquece?!



1 comentário:

Maria P. disse...

Lindíssimo.
Não conhecia.

Beijo*