29.7.08




crespúsculo - david mourão ferreira


é quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
quando a noite se destaca
da cortina;
quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
quando a força de vontade
ressuscita;
quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
e quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.


6.7.08




ana luísa amaral - fingimento poético


"finge tão completamente"



Faz-me falta a tristeza
para o verso:
falta feroz de amante,
ausência provocando dor maior.

Tristeza genuína, original,
a rebentar entranhas e navios
sem mar.
Tristeza redundando em mais

tristeza, desaguando em métrica
de cor.
Recorro-me a jornal, mas é
em vão. A livros russos (largos

e sombrios).
Em provocado rio de depressão,
nem zepellin: balão
a ervas rente.

Um arrastão sonhando-se
navio.
Só se for o que diz o que
deveras sente.

A sério: o Zepellin.
Mas coração:
combóio cuja corda
se partiu.